quarta-feira, 9 de junho de 2010

Gilberto Gil lança disco para animar festas juninas

Artista lembra dívida com Luiz Gonzaga e diz que ainda há preconceito contra o forró

Ailton Magioli - EM Cultura

O ex-ministro da Cultura Gilberto Gil está de volta ao batente com o pé no forró. Em festa junina realizada sábado no Rio de Janeiro, ele lançou o disco temático Fé na festa, em que volta a se exercitar nos ritmos nordestinos, devidamente adaptados aos tempos atuais. Em São João Batista carioca, a festa, ele vai receber a filha, Preta Gil, a nova parceira Vanessa da Mata, as cantoras Alcione, Gal Costa e Mart’nália e o cantor Zeca Pagodinho, entre outros forrozeiros, aproveitando para dar largada às comemorações dos 68 anos (26 de junho) e esquentar o repertório para a temporada europeia do for all, em julho. “Foi a primeira e a mais importante música da minha vida”, diz a respeito de ritmos como xote, xaxado, baião e forró, que marcaram sua infância, sob influência do ídolo e mestre Luiz Gonzaga.



“Tem outros importantíssimos como Caymmi, João Gilberto, além de tantos colegas já contemporâneos meus, que também tiveram importância na minha formação. Mas Gonzaga é entronizado ali. Se tivesse um altar, ele estaria no meio e os outros ao redor”, afirma o discípulo do Rei do Baião. “A música de Gonzaga é a música ambiente da minha primeira situação de vida. Vivia na caatinga, no sertão. A vida sertaneja, os animais, o cultivo das plantas, os hábitos festeiros. Tudo isso está ligado à minha primeira infância”, emociona-se Gilberto Gil. Segundo o cantor, o sonho mais recorrente dele é com Ituaçu, na Chapada Diamantina, onde viveu depois do nascimento, em Salvador.

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“O som daquele lugar é Luiz Gonzaga”, garante Gil, admitindo tratar-se de uma “questão até psicanalítica” em sua vida. Conforme lembra, desde o mestre as duas vertentes do forró – a tradicional e a moderna – convivem, harmoniosamente. Em Dança da moda, que gravou no novo disco, por exemplo, o próprio Luiz Gonzaga, com Zé Dantas, fala das mudanças provocadas pela chegada do baião no Rio. “No Rio tá tudo mudado/ Nas noites de São João/ Em vez de polca e rancheira/ O povo só dança e só pede o baião”, canta o ex-ministro da Cultura. Ele salienta que a cosmopolitização da música nordestina – a chegada aos grandes centros – é coisa que vem da década de 1950.


“Todos os bairros da Zona Norte do Rio celebram até hoje festa de São João. Assim como em Minas Gerais, São Paulo, no Sul do Brasil, Goiás. No Norte e Nordeste nem se fala, porque ali é o hábito absoluto desta música. Isso vem convivendo com a chamada preservação desta música com seus elementos rurais. Especialmente no Nordeste, no interior de Pernambuco, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará, onde temos a permanência dessa música com as suas características mais originais, ligadas às suas fontes, que são os violeiros, os cantadores, as cantadoras, os repentistas, tudo junto com os sanfoneiros, com a música de dança, a música de baile”, explica.

Sertão e pop

Como destaca Gilberto Gil, nas grandes cidades a transformação mais recente que a música nordestina urbana passou foi com a chegada dos chamados grupos pop, na linha dos grupos de axé. “É um fenômeno recente, mas essa arte urbana vem convivendo com a música propriamente interiorana desde Luiz Gonzaga até hoje”, reafirma. O preconceito latente quanto à música, segundo o ex-ministro, teria partido de parte das elites artísticas e de alguns setores da mídia. “Do povo, nunca”, constata o cantor, lembrando do sucesso das casas de forró em todo o país.

Ele mesmo, no entanto, teria testemunhado manifestações de preconceito em vários momentos, quando colegas contemporâneos dele torciam o nariz para – imaginem – Luiz Gonzaga. “Desclassificavam Gonzaga, dizendo que ele não tinha méritos, que não merecia perfilar entre os grandes artistas. Que aquela música não tinha importância nenhuma, que aquilo era secundário, cafona. É como o presidente Lula, hoje. Nesta época do ano, o forró preside as manifestações, preside o sentimento, preside a vontade lúdica do povo brasileiro”, compara, orgulhoso da passagem pelo atual governo como ministro da Cultura, encerrada há cerca de dois anos.

Na hora de compor um bom forró, Gilberto Gil vai pelo linguajar do povo. “Busco a linguagem, tanto musical quanto literária, deste tipo de música. As terminologias mais utilizadas, as palavras condensadas, as interjeições típicas criadas por esses linguajares do interior”. E destaca também a sensualidade presente no gênero: “A paquera do menino, a coisa do duplo sentido, a erótica e o lado romântico”, descreve. Gil salienta os aspectos profano e sagrado da festa junina, presentes em todas as festas tropicais que vieram com os colonizadores cristãos e foram se misturando com o paganismo ameríndio e, mais tarde, com o paganismo africano. “Essas festas se desenvolveram nos adros das igrejas e nas praças em frente das igrejas. E, no caso de Santo Antônio, São João e São Pedro, por coincidirem as três no mês de junho, acabaram criando o território específico da chamada música junina”.

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