domingo, 1 de maio de 2011

A integral para violão solo de Radamés Gnattali por Vitor Garbelotto

A integral para violão solo de Radamés Gnattali por Vitor Garbelotto
-- Radamés Gnattali --




Radamés Gnattali (1906-1988) é um dos mais importantes compositores brasileiros para violão, o que significa dizer que é um dos mais importantes compositores do mundo para violão. Porque o Brasil é quase que uma capital do violão, apesar do violão moderno ser uma invenção espanhola.

Ao contrário de Villa-Lobos, que pode ser considerado o compositor mais importante do mundo a escrever uma obra significativa para violão, Radamés Gnattali não conseguiu aquela aura de compositor de concerto e o trânsito nas instâncias governamentais que lhe franqueassem o acesso ao mundo da arte culta. Radamés viveu sempre injustamente num limbo a que ainda são relegados aqueles que “sujaram as mãos” com o mercado de entretenimento.

Chegado ao Rio de Janeiro quase na mesma época que seu conterrâneo Getúlio Vargas assumiu a presidência da República (1930), Radamés pretendia uma carreira de pianista de concerto – que, ainda bem, não deu certo. Digo ainda bem porque, se ele tivesse sido concertista de piano, teria sido o negócio mais sem graça (outro pianista frustrado que virou peça chave da cultura brasileira foi Mário de Andrade).

Sem conseguir ser concertista, Radamés teve que se virar no que era um mercado em forte expansão – acabou se tornando o principal arranjador da geração pós-Pixinguinha, responsável, por exemplo, pela parte orquestral da gravação certamente mais famosa e representativa do país no mundo por muito tempo: Aquarela do Brasil de Ary Barroso. A primeira gravação, de 1939, com a voz de Francisco Alves, tinha o genial arranjo de Radamés, considerado o primeiro a colocar o balanço do samba na orquestra – especialmente o famoso rife dos saxofones na segunda parte. (Ouça a gravação aqui.)

O sucesso profissional e estético de seu trabalho como arranjador, fundamental para forjar a sonoridade da música popular brasileira desde esta gravação de Aquarela do Brasil em 1939 até a explosão da Bossa Nova em 1958, teve como efeito colateral uma desconsideração insidiosa de seu valor como compositor. Está aí um dos grandes nós que a História da Música Brasileira vai ter que desatar nos próximos anos – um juízo de valor equivocado que coloca o entretenimento comercial como questão denegridora, e entende o trabalho do arranjador como algo menor.

Fato é que, além de ser um dos mais importantes arranjadores brasileiros, Radamés sempre foi também um compositor dos mais importantes, com diversas obras sinfônicas e camerísticas. Entre suas composições originais, tão boas e importantes como seus arranjos, estão diversas obras para violão, inclusive alguns concertos para violão e orquestra. (Veja mais sobre a obra para violão e orquestra de Radamés Gnattali nos programas radiofônicos produzidos por Fábio Zanon, e hoje disponíveis aqui e aqui.)

A obra para violão de Radamés, solo ou camerística, já recebeu diversas gravações, nunca uma integral por um mesmo intérprete em um mesmo disco, como agora nos brinda Vitor Garbelotto. Este tipo de gravação é muito importante, tanto pelo significado que tem a obra de Radamés para a cultura brasileira, como pelo fato de que o outro jeito de ouvir tudo que ele compôs para violão solo era sair catando gravações esparsas, via de regra esgotadas e não disponíveis comercialmente. (Parte delas foi transmitida também em outros programas radiofônicos de Fábio Zanon: aqui, aqui, aqui e aqui.)
-- Vitor Garbelotto --



tinham merecido gravações integrais. Até onde sei: Villa-Lobos (gravado por toda gente pelo mundo todo, mas a melhor gravação integral certamente é a de Fábio Zanon) e Guerra Peixe (outro com uma obra genial, gravada integralmente por Cleiton Vetromila).

Ouvir o disco de Vitor Garbelotto é um carinho nos ouvidos. Violonista de sonoridade grandiosa, toca tudo com clareza, precisão e balanço – qualidades muito difíceis de se preservar em obra de tanta dificuldade técnica como a de Radamés. A gravação soa perfeita em todos os detalhes, numa empreitada que coloca o jovem violonista entre os grandes da galeria do instrumento.

Só posso dizer que é um disco indispensável para amantes dessa sonoridade tão característica obtida por Radamés Gnattali, que fica perfeitamente à vontade nesse instrumento tão adocicado (mas ao mesmo tempo tão duro para compositores e instrumentistas).

O disco está à venda na Livraria Cultura. Uma palhinha do som deste violonista e uma deliciosa conversa com ele, num programa transmitido pela TV Cultura. Partes do disco também podem ser ouvidas na página do violonista no MySpace.

Até agora poucos compositores brasileiros para violão
por André Egg

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário e após avaliarmos publicaremos-o.